Mas há primaveras – Carta da professora Adma Fadul Muhana

27/06/2009 at 17:17 (Artigos, Reflexões) (, , , , , , , )

Carta da professora Adma Fadul Muhana

Mas há primaveras

A comunidade universitária e a opinião pública têm procurado, atônitas, acompanhar os acontecimentos recentes na Universidade de São Paulo. Como acreditar que professores, alunos e funcionários da USP, em especial da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, sejam criminosos cujos atos merecem ser severamente reprimidos com bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e gás pimenta? Como acreditar que querem destruir seu patrimônio, agir com violência e causar danos aos demais? quem acredita nisso? por quê?

Se se compararem as informações e declarações dos últimos dias, será possível repor a situação. Em plena negociação salarial, em 25 de maio, a Reitoria fechou as portas do prédio e não deixou parte da comissão de negociação entrar. Ao agir assim e quebrar a regra da cultura democrática instituída, não era improvável que soubesse da reação dos estudantes que, impedidos de entrar, poderiam forçar a porta e fazer uma “invasão” relâmpago. Mas, depois dos acontecimentos de 2007, havia uma resolução do Conselho Universitário autorizando a Reitoria a chamar a polícia quando julgasse necessário, a qual foi aplicada.

Docentes e estudantes sabem ensinar e estudar, principalmente. Talvez até, de um modo um tanto canhestro e desafinado, também saibam protestar. Alguns estudantes gritam e chegam a tirar cadeiras e pô-las diante das salas de aula, impedindo a entrada nelas – sinais de sua impotência, de sua insegurança e da desinformação acerca de outros canais de manifestação mais legítimos e eficazes, de que os professores (ainda) dispõem. Mas essa alegada “violência” estudantil não tem parâmetro com as armas usadas pela PM, treinadas para eliminar malfeitores, e descontentes… Inacreditavelmente, a atual reitora da Universidade de São Paulo pensa que sim!

Isto é ofender a USP e todos os seus membros. Pretextando grupelhos, radicais e sabe-se lá mais o quê, a Reitoria entregou a direção da universidade a um comandante policial. Ao ser alertada por um docente de que a presença da polícia no campus poderia causar graves danos físicos e morais a membros da comunidade, e de que as armas utilizadas pelas tropas contemplavam escopetas e metralhadoras, a reitora limitou-se a dizer que a escolha das armas adequadas à ação policial não era da sua alçada. A reitora transferiu sua responsabilidade pela vida dos estudantes, professores e funcionários, das crianças e adolescentes que estudam na Escola de Aplicação, e de todos aqueles que livremente transitam pelo campus Butantã da USP, a um coronel da PM.

Os professores da USP não estavam em greve. A campanha salarial e a carreira docente importam aos professores porque sabemos o efeito nefasto que salários aviltados causam ao ensino, como temos visto na precarização do ensino secundário. Os mais velhos se lembram de como o ensino médio público era padrão de qualidade para a escola privada, o que hoje nos parece um sonho desaparecido. A recuperação salarial nos importa para que a Universidade pública não passe a ter salários tão baixos que os melhores profissionais prefiram se afastar dela e servir apenas à iniciativa privada, com seu principal interesse no lucro, e levando ao desaparecimento das investigações independentes que interessam ao coletivo. Lutar por salários, todos sabem, é lutar por deixar uma universidade com melhor qualidade e para que a USP tenha o que comemorar daqui a 25 anos.

Os estudantes da USP não estavam em greve. O temor relativo à Univesp, ou Universidade Virtual do Estado de São Paulo, provém da convicção de que a expansão virtual da Universidade se fará à custa da qualidade do ensino e em detrimento das políticas de permanência estudantil por que vêm lutando, da construção de salas de aula presenciais, bibliotecas, laboratórios, moradias e restaurantes universitários, temor compartilhado por alguns professores que relataram desconfianças na implantação do Programa.

Todos estes são assuntos importantes para homens e mulheres que, trabalhando dentro da Universidade, abdicaram de ser meros consumidores e reprodutores de um saber para, com diversas dificuldades, se tornarem sujeitos de conhecimento, de ação e de transformação da sociedade. Requeriam, pois, que decisões dessa monta fossem tomadas com o conhecimento da ampla maioria da comunidade acadêmica, e não por decretos e resoluções. Todavia, recusando-se a negociar, a esclarecer, a Reitoria da USP teve como única resposta para a dificuldade do momento inventar uma ocupação para chamar a polícia. No dia 9 de junho os professores em assembléia, pensando em conjunto como retomar as negociações, ouviram tiros e gritos que dificilmente esqueceremos. Do prédio da Reitoria, de uma de suas janelas, umas dez cabeças assistiam ao lúgubre espetáculo de alunos e professores fugindo das bombas e sendo acuados no prédio da História. Apesar disso, e embora vários colegas tenham tentado contatos com a reitora, a fim de evitar um desfecho de proporções inimagináveis, ninguém, em momento algum, atendeu aos chamados dos docentes. Contatado, finalmente, o governador se calou: as armas já tinham falado por ele. Passado o furacão, reitoria e aliados vêm a público se manifestar e justificar atos injustificáveis.

O tecido universitário está desfeito. Todos os que defendem uma universidade pública, com direito a discussões, propostas, ações solidárias e coletivas, deixamos de reconhecer a reitora como interlocutora de nossa prática acadêmica. É verdade que, dentro e fora da Universidade, há os que aprovam a ação da polícia, alegando destruição do patrimônio público; desqualificam a decisão das assembléias em favor da greve, apelando para o direito dos que querem aula, embora não compareçam a elas; contestam os piquetes de funcionários e alunos, argumentando serem contra uma “violência generalizada”. Essas mesmas vozes recorrem a proposições vagas e metafísicas, que, descoladas de seu contexto político, ridicularizam o direito “à diferença”, “à opinião” etc.; mas se calam diante de questões materiais decisivas para a Universidade estadual, como a destruição do patrimônio público perpetrada, esta sim, pela polícia e por fundações privadas instaladas no interior da USP. Negando o direito à greve e a piquetes, propõem em seu lugar que cada um faça o que bem entender, desde que confortavelmente instalados em seus gabinetes particulares, ao abrigo do espaço coletivo e presencial de discussão. Parecem supor que a condenação das assembléias de professores e estudantes é feita ainda em favor do direito do aluno, como pagador de impostos, de ter sua mercadoria-aula. Ao sobreporem a figura do consumidor à do cidadão, transferem a cultura da universidade privada para dentro da Universidade pública, transformando os grevistas em anti-cidadãos-vendedores que não cumprem sua parte no troca-troca do mercado – como se estes não pagassem também seus impostos e não tivessem direito a forma alguma de dissidência. Certamente que, assim, esse discurso cala-se diante da destruição da Universidade pública levada a cabo por governos neoliberais e encobre sua adesão à mesma ordem de coisas, sob a capa de uma pretensa motivação pacifista.

Neste sentido, a Universidade deve se envergonhar de que uma parte do seu corpo docente e discente não condene a ação policial contra atos de caráter político: pois isso significa que essa parte não se importa com o coletivo e com o tipo de conhecimento e ética que estão sendo transmitidos nessa Universidade. A sociedade deve saber disso e querer que, na Universidade de São Paulo, os professores, os médicos, os arquitetos, os atores, os engenheiros, os biólogos, os psicólogos e todos os que aí se formam, com a contribuição de todos nós, visem mais ao bem coletivo que ao seu único e próprio lucro. E fazer parte da coletividade implica ter de olhar para além do seu escritório particular, do seu consultório e da sua sala de aula.

Agora a Universidade de São Paulo está em greve, exigindo a retirada imediata e definitiva da polícia no campus, para que retornem as condições de diálogo entre todos os envolvidos. Mas desde que a Universidade foi violentada com a permissão, ou pior, a mando de seus dirigentes, os professores requerem que a atual reitora se afaste do cargo e torne a ser algo de que possa se orgulhar: professora. Oxalá, assim, o próximo reitor compreenda que uma universidade não se faz virtualmente, nem com tropas militares, mas com docentes, estudantes e funcionários preocupados com o ensino e com a pesquisa, e sobretudo, com fazer parte de uma menos triste humanidade.

Essa carta foi enviada a diversos veículos de comunicação, mas por motivos óbvios.

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Comparato: A autonomia universitária é uma farsa

23/06/2009 at 16:53 (Artigos) (, , , , )

Um dos intelectuais mais respeitados do país, Fábio Conder Camparato critica a presença da Polícia Milistar no campus da USP e afirma que os serviços públicos no Brasil são entendidos como um ‘ralo por onde somem os recursos’. Para ele, a autonimia universitária é uma farsa e as instituições de ensino no país não agem de maneira republicana.

O jurista sofreu uma decepção na última quinta-feira (18). Ao chegar para a avaliação de uma tese de Mestrado, o professor deparou-se com as portas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco cerradas.

Por decisão do diretor João Grandino Rodas, o histórico prédio ficou fechado ao longo do dia por temor do que poderia ocorrer durante a passeata de estudantes, funcionários e professores de USP, Unesp e Unicamp.

Depois de subir ao caminhão de som dos manifestantes e afirmar que a reitora da USP, Suely Vilela, não tem mais confiança dos “dirigidos” para permanecer no cargo, o professor conversou com a reportagem da Rede Brasil Atual sobre a situação da Universidade – jornalistas de outros veículos acompanharam a conversa.

Para o jurista, a reitora, que deveria ser representante da comunidade universitária, comporta-se como secretária do governador José Serra, que utilizou a Polícia Militar como capangas do estado de São Paulo ao reprimir manifestação semana passada na Cidade Universitária.

Sobre a administração estadual, Fábio Konder Comparato aponta abuso no uso de publicidade como forma de promover eleitoralmente José Serra e destaca que tal propaganda vai contra a Constituição.

Há dois anos, o jurista foi vítima da aposentadoria compulsória, adotada para professores das universidades estaduais paulistas que atingem os 70 anos. Para ele, trata-se da “expulsória”.

Ainda assim, o professor mantém estreita relação com a academia e desenvolve atividades nas áreas de Direito Comercial e dos Direitos Humanos, nas quais esteve focado ao longo dos últimos anos.

Como o senhor viu o fechamento do prédio da Faculdade de Direito do Largo São Francisco?

Eu acho que nunca aconteceu na Faculdade de Direito. É um ato insólito porque, se os diretores de faculdade e a reitora se queixam da greve, eles deveriam também se manifestar contra o lockout. Isso é exatamente o oposto da greve, é o lockout, que é quando uma empresa fecha as portas e não deixa entrar os operários. É o que aconteceu aqui e eu fiquei muito envergonhado como professor. Eu fiquei literalmente surpreso com essa decisão, que não tem a meu ver nenhum apoio nos princípios republicanos que devem reger a Universidade.

Como o senhor acompanhou os fatos da semana passada?

O que é grave é que a Polícia Militar, que é composta por oficiais e soldados dignos, dedicados, começa a ser utilizada como um grupo de capangas do governador do estado e da reitora da Universidade. Isso é humilhante não só para a Universidade, mas também para os oficiais e soldados. Eles têm que exercer o papel mantendo a segurança e a ordem pública.

São Paulo é uma cidade absolutamente desordeira e submetida ao banditismo mais desbragado. Não sei se as pessoas se dão conta, mas de um ano para cá o número de furtos de veículos crescem em 300%. Oras, é evidente que, para reprimir isso, é preciso saber utilizar a Polícia Militar, e não simplesmente concentra-la no campus da USP para atacar estudantes, professores e funcionários. É uma inversão de objetivos.

O serviço da polícia não pode ser utilizado desta forma. Isso é um abuso de poder por parte do governo do estado.

O senhor entende que os fatos feriram o conceito da Universidade como instituição autônoma?

Sem dúvida. Aliás, a autonomia da Universidade é uma farsa, a começar pelo aspecto financeiro. O artigo 207 da Constituição declara as universidades autônomas sob o aspecto didático-científico, financeiro e administrativo, e o que se verifica é que sob o aspecto financeiro a Universidade é tratada como se fosse uma simples fonte de gastos. Ou seja, para nós, tradicionalmente no Brasil, o serviço público é uma espécie de ralo por onde somem os recursos públicos. A função do serviço público é servir o povo, não é servir a economia e dar dinheiro.

Para nós, tradicionalmente no Brasil, o serviço público é uma espécie de ralo por onde somem os recursos públicos. A função do serviço público é servir o povo, não é servir a economia e dar dinheiro

A economia nós faremos restringindo a propaganda governamental. O governador do estado faz propaganda da sua gestão, indo contra a Constituição, e ele resolve fazer economia em serviços públicos. Isso é um escárnio. É preciso que se diga claramente que o Ministério Público Estadual é culpado por não atacar essa propaganda governamental que é feita com dinheiro do povo simplesmente para beneficiar o governador de plantão.

O artigo 37 parágrafo 1º da Constituição proíbe a publicidade oficial em tom de propaganda ou para projetar a figura oficial de políticos, e é o que se faz de alto a baixo em todos os estados da federação.

O senhor falou que a reitora perdeu a confiança da comunidade. Uma vez posto isso, qual o caminho a ser seguido?

Infelizmente, o Estatuto da USP não abre um caminho. É por isso que tem que ser mudado. A reitora da Universidade não é eleita pelo Conselho, ela é nomeada pelo governador. Claro, a partir de uma lista tríplice, mas essa lista é formulada por uma maioria esmagadora de professores. Os estudantes e funcionários são subrepresentados no Conselho Universitário.

E, além disso, no momento em que ela perdeu a confiança de todos, ela não pode ser destituída. Nem o governador pode a rigor destituí-la, porque ela é nomeada por tempo certo.

Isso não é democracia. Até agora, funcionou porque a exigência democrática na sociedade brasileira era muito fraca. Mas a nova geração não se conforma com isso. A minha geração ainda achava que a elite é que deveria governar e que o povo é ignorante e incompetente. Hoje, graças a Deus, essas noções vão desaparecendo.

O povo sabe que não é idiota e sabe que é explorado, que não tem condições de manifestar sua soberania. Qual o fundamento da democracia? Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes ou diretamente. Os reitores de universidades não são representantes do povo universitário, e isso é de uma verdade mais do que evidente.

Então, nós temos que continuar pregando a República e a democracia na Universidade mesmo quando não há chance para que nossa pregação seja ouvida. Aos poucos, nossas reivindicações vão penetrando nas consciências, e quando a maioria se convencer que nós vivemos um regime político imoral, explorador e desordeiro, esse regime estará com os dias contados. Infelizmente, não será para o meu tempo.

Os fatos da semana passada podem marcar um momento de inflexão dentro da luta por democracia na Universidade?

Eu espero que sim, mas é preciso não perder de vista o seguinte: toda vez que a imoralidade e a violência irracional crescem na sociedade, a direita se torna mais forte. A direita espera sempre que haja alguém forte e decidido para tomar conta do Estado. E é o que está acontecendo. Há um grupo forte de estudantes que não acredita mais em democracia e nunca acreditou em República e está esperando algo como um fascismo tupiniquim.

Eu não tenho raiva deles, pelo contrário, considero como meus filhos e, de certa maneira, eu sei que eles estão errados. Nós erramos ao deixar de lutar eficazmente pela democratização da Universidade, nós erramos ao sermos condescendentes com a corrupção, e agora estamos pagando o preço disso.

Por outro lado, a verdadeira esquerda não é anárquica ou destruidora. A verdadeira esquerda é aquela que se liga indissoluvelmente aos pobres, aos humilhados e aos oprimidos.

E é por isso que quando surge uma figura como o Lula, que está longe de ser perfeito, mas que tem sensibilidade pelo pobre e que fala a linguagem do pobre, ele é não só acolhido como ele é venerado. E isso irrita profundamente a direita e a esquerda.

Neste momento de greve, sempre há quem queira desmerecer as decisões tomadas em assembleias.

Olha, as eleições no Brasil e em vários outros países não são uma manifestação de soberania. O povo não consegue impor a sua vontade unicamente elegendo representantes. Para que possa impor sua vontade, seria preciso, em primeiro lugar, que além de eleger, tivesse o poder de destituir.

Isso se chama recall. Isso existe em 15 estados dos Estados Unidos. No momento em que o povo soubesse que ele pode eleger, mas que pode também destituir, a política mudaria de figura.

Em segundo lugar, o povo precisa ter o direito de se manifestar sobre temas econômicos, políticos e sociais diretamente. É preciso abrir o referendo e o plebiscito. O Congresso Nacional impede isso porque é contra o clube deles, tanto de esquerda quanto de direita.

Analisando em termos gerais, vê-se uma reação da sociedade opondo-se fortemente às ações estudantis, tidas como radicais. Qual o papel que a Universidade vem desempenhando na sociedade para que se acabe alastrando esse tipo de opinião?

O grande problema é que a Universidade, todas as universidades públicas de modo geral, talvez com honrosas exceções, agem com objetivos não-republicanos. Ou seja, como se fosse um assunto privado. Professores se ocupam com a sua carreira, funcionários com a sua carreira, estudantes com o seu diploma.

Esta faculdade está no centro de uma metrópole cujo peso de pobreza e de miséria é imenso. A cem metros daqui, nós podemos entrar em um cortiço onde as pessoas alugam cama por algumas horas. E sobretudo no frio, agora no inverno, fazem questão de alugar uma cama de alguém que acabou de sair porque ela está quentinha.

A Faculdade de Direito, que está aqui no centro da miséria, cujas portas se abrem toda manhã com dezenas de pedintes, de miseráveis que dormiram ao relento, a faculdade não se preocupa com isso.

Não há nenhum professor que dê como trabalho prático aos seus alunos cuidar de contratos de locação dos cortiços aqui do centro. Quer cuidar disso? Vai ver como se aluga cama durante oito horas e, portanto, dá três aluguéis por dia.

Quando se trata de discutirmos problema de direito do trabalho, por que não enviar os alunos até quem precisa?

A Universidade pública existe para quê? Qual o objetivo dela? Ela é financiada sobretudo pelos pobres, que não têm o menor retorno da Universidade. É claro que eles têm raiva. Agora, no dia em que as universidades se voltarem para os direitos dos pobres, aí eu quero ver as classes abastadas dizerem que a Universidade só faz desordem e que ela depreda, que ela atinge a Polícia Militar.

O problema brasileiro, fundamental, já foi dito na primeira metade do século XVII pelo primeiro historiador do Brasil, Frei Vicente do Salvador: nenhum homem nesta terra é republico nem zela e trata do bem comum, se não cada um do bem particular.

Com informações da Rede Brasil Atual.

Fonte: Portal Vermelho (www.vermelho.org.br)

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Febre do Twitter chega à política brasileira

23/06/2009 at 16:23 (Notícias) (, , , , )

Já existe um site, o PoliTweets (www.politweets.com.br), que reúne perfis de 49 políticos brasileiros

AE – Agencia Estado

SÃO PAULO – Começou com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e hoje até o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), aderiu. O Twitter vem tomando conta dos corredores do Senado e da Câmara. Muitos parlamentares já têm perfis no site e lá dizem o que ”estão fazendo”, dão opiniões sobre projetos, se defendem de acusações e respondem a dúvidas. A onda do Twitter finalmente chegou à política brasileira. Já existe um site, o PoliTweets (www.politweets.com.br), que reúne perfis de 49 políticos brasileiros, tanto do Executivo quanto do Legislativo, que, ao todo, somavam 22.263 seguidores até sexta-feira.

Inspirado em um site homônimo dos EUA e no http://www.tweetcongress.org, o PoliTweets brasileiro reúne na maioria perfis de deputados federais (29), mas também há senadores (13). Quase todos não têm mais que uma centena de seguidores. Até agora, o político mais popular é o governador José Serra, com quase 10 mil seguidores.

Porém, alguns perfis relatados no site são falsos, como o do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). E nem todos são atualizados pelo próprio político. Mas a nova ferramenta é vista com entusiasmo. ?O Twitter é ágil. É quase uma prestação de contas. E ainda dá liberdade para falar de tudo. Falo até de esporte e cinema. Do ponto de vista político é inovador, porque cria uma relação direta com as pessoas e possibilita ouvir opiniões mais facilmente?, afirma o senador Delcídio Amaral (PT-MS). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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Sombras sobre a USP

21/06/2009 at 13:53 (Artigos) (, , , , , , , , , )

Por MARCELO COELHO

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Se as “minorias radicais” conduzem o processo, onde estão as maiorias moderadas?
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UM GRUPO de provocadores ameaça a ordem e o Estado de Direito. Impossível negociar com extremistas desse tipo, dado o irrealismo de suas reivindicações. Para preservar a paz da comunidade e o império da Lei, a saída é a intervenção de uma força militar.
Esse raciocínio pode ser aplicado, sem grande irrealismo, à crise vivida na Universidade de São Paulo. De fato, há minorias radicais. Tudo indica que é impossível negociar com elas. De fato, a ordem deve ser preservada. Tudo indica que o patrimônio público precisava ser defendido de invasões e quebra-quebras.
Só que a fraseologia não difere muito da que justificou o golpe militar de 1964.
Aquela época tinha seus extremistas, dispostos, por exemplo, a fazer a reforma agrária “na lei ou na marra”. Eram, certamente, minoritários na população. Havia uma ordem a ser preservada, e uma legalidade para a qual os movimentos de massa não conferiam grande importância. Só uma intervenção militar daria conta da “baderna”.
É triste ver pessoas de belo currículo democrático, notoriamente perseguidas pelo regime militar, apoiando a ocupação da USP pela PM. Sem dúvida, a polícia age agora com autorização judicial e o golpe de 1964 foi, afinal, um golpe.
Do ponto de vista político, entretanto, as situações se assemelham. Como em 1964, muitos “democratas” agora acham que é preciso reprimir pela força as “minorias radicais”, contando com o aparato militar para defender a ordem, contra a “baderna”.
Este artigo -prometo- será imparcial. Não vejo valor em alguns argumentos do lado contrário. É muita abstração condenar a presença da PM porque a universidade é um local “de pensamento, não de violência”, “de ideias, não de barbárie”.
A USP é isso, mas não é um jardim peripatético: é também um lugar de trabalho, onde pessoas ganham salário, reclamam, fazem greves, piquetes e invasões.
Piquetes e invasões não são atos isentos de violência, e palavras de ordem não costumam ser obras-primas de reflexão e de pesquisa. De resto, há uma diferença óbvia entre intervenções armadas que se dedicam a sufocar o pensamento e a liberdade de cátedra, e as que se encarregam de reprimir militantes sindicais.
Convocar a PM foi um erro. Só serviu para acirrar, e não pacificar, os ânimos na USP. A retirada da PM é o primeiro passo para a superação da crise.
O problema é saber por que se chegou a esse ponto -em que pessoas respeitáveis acabam achando que “só a PM resolve essa baderna”. Quando acontece isso, um sistema de representação e de poder se revela disfuncional. A política deixa de funcionar e a força prevalece.
Se “minorias radicais” conduzem o processo, cabe perguntar onde estão as maiorias moderadas. Deveriam estar presentes nas assembleias (e piquetes) que decidem mobilizações em nome de todos.
Nada mais alienado do que condenar o fato de uma assembleia “de gatos pingados” ter decidido uma greve quando não se participa dela.
Estivesse presente nas assembleias, a “maioria ordeira” da USP negaria legitimidade aos movimentos de reivindicação. Em última análise, prefere delegar a defesa da ordem à PM.
Diante de dezenas de ativistas enraivecidos, quatro policiais (que não são “a repressão”, mas têm nome, estado civil e endereço) foram cercados e humilhados moralmente. Quando chegou o reforço, professores, funcionários e estudantes (que têm nome, estado civil e endereço) foram atacados com gás e balas de borracha.
Tudo se desumaniza, porque está em jogo uma contradição estrutural. Temos uma máquina burocrática -a da reitoria e seus órgãos ossificados de decisão- contra uma máquina sindical -que segue a lógica da mobilização de massas.
Acontece que as massas são imaginárias (reduzem-se a uma minoria) e que a estrutura de poder na USP, supostamente defensora da lei e da ordem, é tudo menos democrática. Quando ninguém representa ninguém, ou representa mal, não há negociação humana possível, e a violência prevalece.
O mesmo dilema levou a crises violentas no sistema político brasileiro, tempos atrás. Minorias “extremistas” se iludem com a omissão da maioria “ordeira”, que não se dá ao trabalho de mobilizar-se pela “ordem” e pela “moderação”. Afinal, tem as tropas a seu dispor.

coelhofsp@uol.com.br

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O Projeto de Lei do Senador Eduardo Azeredo e seus custos para o Brasil

20/06/2009 at 21:50 (Artigos) (, , , , )

Internet brasileira precisa de marco regulatório civil
terça-feira 22 de maio de 2007

http://www.direitorio.fgv.br/cts

O projeto de lei de crimes virtuais do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) propõe que o primeiro marco regulatório da Internet brasileira seja criminal. Enquanto isso, o caminho natural de regulamentação da rede, seguido por todos os países desenvolvidos, é primeiramente estabelecer um marco regulatório civil, que defina claramente as regras e responsabilidades com relação a usuários, empresas e demais instituições acessando a rede, para a partir daí definir uma regras criminais.

A razão para isso é a questão da inovação. Para inovar, um país precisa ter regras civis claras, que permitam segurança e previsibilidade nas iniciativas feitas na rede (como investimentos, empresas, arquivos, bancos de dados, serviços etc.). As regras penais devem ser criadas a partir da experiência das regras civis. Isso de cara eleva o custo de investimento no setor e desestimula a criação de iniciativas privadas, públicas e empresariais na área.

Isso acontece especialmente pela abrangência e incertezas geradas pelo projeto, que usa conceitos vagos e amplos (“dados”, “sistemas de comunicação” e outros) para regular um assunto que demanda discussão técnica prévia, que ainda não foi feita no país.

Prova disso é que a Convenção de Cibercrimes, que é citada como “inspiração” para o projeto de lei, não foi assinada por nenhum país latino-americano e nem pela maioria absoluta dos países em desenvolvimento (contam-se nos dedos os países pobres que assinaram a convenção). Os países ricos, sigantários da convenção, já fizeram seu dever de casa de regulamentar a Internet do ponto de vista civil e, somente depois disso, estabeleceram os parâmetros criminais para a rede. O Brasil está seguindo a via inversa: está criando primeiro punições criminais, sem antes regulamentar técnica e civilmente a Internet.

Coisa e dado

O projeto, em seu artigo 183-A, equipara à “coisa”, para efeitos penais, o dado, informação ou unidade de informação em meio eletrônico. Essa equiparação gera efeitos imprevisíveis no ordenamento jurídico brasileiro.

Isso porque a Internet conta com características de várias mídias, muitas das quais representam comunicações efêmeras ou transitórias. Nesse sentido, uma “conversa telefônica” mantida pela Internet por meio de um programa como o Skype estaria sendo equiparada à “coisa” para fins penais. O mesmo é válido para conversas por texto, vídeos, fluxos de webcams, e-mails, bem como qualquer outra forma de comunicação. Essa equiparação à “coisa” sujeita os provedores a medidas judicias que levem à possibilidade de reconstituição dessas informações transitórias, que podem então ser “apreendidas” e utilizadas em juízo. Isso desrespeita direitos e expectativas básicos com relação à natureza dos dados eletrônicos.

Além disso, equiparar “dado” à “coisa” desrespeita a natureza econômica dos sistemas eletrônicos. Enquanto “coisas” são bens escassos, dados eletrônicos são bens “não-escassos”. Uma “coisa”, ao ser transferida para outra pessoa, deixa de ser daquela pessoa e passa a ser da outra.

Já os dados possuem natureza fluida, ou seja, o seu envio e aproveitamento por uma pessoa não impede sua utilização por outra. Utilizando o jargão, dados são bens “não-competitivos” e “não-rivais”. Regulamentá-los juridicamente como se fossem “coisas” vai contra a própria natureza desses bens e gera conseqüências imprevisíveis dentro do direito brasileiro.

Crimes digitais

O artigo 339-A do projeto criminaliza as atividades de “acessar rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização do legítimo titular, quando exigida” e “obter dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado sem autorização do legítimo titutlar”, com pena de reclusão e detenção de 2 a 4 anos.

Trata-se de dispositivo que cria uma conduta criminal capaz de afetar a vida de milhares de pessoas, consistindo em verdadeiro instrumento de “criminalização de massas”. Inúmeras pessoas, do dia para a noite, tornam-se criminosas em potencial caso o projeto do senador Azeredo seja aprovado.

No âmbito destes artigos, encontra-se abrangido o acesso a dispositivos como computadores, iPods, aparelhos celulares, tocadores de DVDs e até mesmo conversores de sinais da televisão digital. Isso faz com que a indústria de conteúdo possa criminalizar seus consumidores, tal qual aconteceu nos Estados Unidos com a aprovação do DMCA (Digital Millennium Copyright Act) em 1998.

Passados quase dez anos da aprovação dessa legislação nos EUA, existe consenso de que a mesma, além de absolutamente ineficaz, produziu danos graves para a sociedade e para o interesse público, a ponto de seus dispositivos estarem sendo flexibilizados cada vez mais a cada ano.

O projeto de lei do senador Azeredo não só vai contra essa evidência empírica de legislação malsucedida nos Estados Unidos, como amplia o escopo do modelo norte-americano. Enquanto nos EUA criminalizou-se “quebrar ou contornar medidas de proteção tecnológica” empregadas pela indústria cultural para proteger bens regidos pelo direito autoral, o projeto do senador Azeredo criminaliza o próprio “acesso”.

Esse modelo proposto pelo senador cria um custo significativo tanto para qualquer usuário da Internet, quanto para qualquer iniciativa pública ou privada na rede, inclusive iniciativas empresariais. Isso porque faz-se necessário verificar quando, como e em que termos se dá a “autorização do legítimo titular” para que o acesso seja exercido.

Império da autorização

Em síntese, cria-se um “império da autorização”, agravando um problema notório, que é a dificuldade prática de se obter “autorização” e se verificar quais são exatamente cada um dos seus respectivos termos e modalidades junto aos legítimos titulares, tornando dessa forma ainda mais elevado o problema do custo de transação para o acesso à informação no país.

Por fim, é cada vez mais notório que a criminalização e a restrição do “acesso”, tal como faz o projeto de lei em questão, contraria interesses públicos e coletivos. Associações de defesa do consumidor de todo mundo, juntamnete com bibliotecários, universidades, empresas e instituições acadêmicas, dentre outras, têm se manifestado de forma consistente quanto ao aumento das barreiras e da burocratização do acesso. Exemplo disso é a bem-sucedida pressão dos consumidores exercida sobre a empresa Apple, que está progressivamente abandonando a utilização de medidas que dificultam o acesso a seus conteúdos (as chamadas “medidas de proteção tecnológica”). O mesmo ocorre com vários outros sites de distribuição de conteúdo.

A situação se agrava quando se tem em mente que a proposta de lei inclui os sinais transmitidos pela televisão digital no Brasil (o artigo 339 do projeto define expressamente que os “dispositivos de comunicação” abrangem também “os receptores e os conversores de sinais de rádio ou televisão digital”). É preciso considerar que as transmissões de TV digital serão feitas por meio de concessões públicas, e utilizando um bem igualmente público, que é o espectro eletromagnético. Dessa forma, é inconstitucional criminalizar o “acesso a dispositivo de comunicação” como o conversor de TV digital “sem autorização do legítimo titular”. A própria possibilidade de exigência dessa autorização, definida pelo artigo 339, viola o caráter público das transmissões da televisão digital.

Vigilância

No artigo 21 do projeto, são criadas diversas obrigações para os provedores de acesso à Internet. Dentre elas, a obrigação de “manter em ambiente controlado e de segurança os dados de conexões realizadas por seus equipamentos”, “pelo prazo de três anos”. Tal obrigação obriga os provedores a criar instrumentos de monitoramento permanente sobre seus clientes. Conforme mencionado acima, esse monitoramente pode levar à vigilância sobre todas as atividades do usuário, o que está previsto no artigo IV do artigo 21. Tal artigo prevê que o provedor deve “preservar imediatamente, após a solicitação expressa da autoridade judicial, no curso da investigação, os dados de conexões realizadas, os dados de identificação de usuário e as comunicações realizadas daquela investigação”. Com isso, os provedores são obrigados a construir capacidade técnica para monitorar seus clientes. Conforme mencionado acima, esse monitoramente pode reconstituir comunicações efêmeras, como chamadas telefônicas pela rede, e-mails, mensagens eletrônicas instantâneas e quaisquer outros dados trafegados pelo usuário.

Isso não bastasse, o inciso V do artigo 21 obriga os provedores a “informar, de maneira sigilosa, à autoridade policial competente denúncia da qual tenha tomado conhecimento e que contenha indícios de conduta delituosa na rede de computadores sob sua responsabilidade”. Tal dispositivo cria um sistema de “vigilantes” da Internet. O provedor passa a se tornar um agente de vigilância, que sempre que provocado por uma “denúncia”, deve informar de forma sigilosa à autoridade policial. Tal dispositivo viola a garantia de ampla defesa e o devido processo legal, configurando-se como inconstitucional. O usuário que está sob vigilância tem amplo direito de ser informado sobre tal vigilância, o que deriva diretamente de seus direitos constitucionais. Esse sistema de incentivo à “vigilância privada”, em conjunto com um regime de sigilo e segredo é incompatível com o Estado democrático de direito.

Por fim, o incentivo à “privatização da vigilância” é reforçado pelo artigo 22 do projeto de lei, que determina que “não constitui violação do dever de sigilo a comunicação, às autoridades competentes, de prática de ilícitos penais, abrangendo o fornecimento de informações de acesso, hospedagem e dados de identificação de usuário, quando constatada qualquer conduta crimininosa”. Na prática, tal artigo simplesmente elimina o sigilo e a inviolabilidade que resguardam as comunicações no Brasil. Um dispositivo como esse permitiria, por exemplo, que as comunicações eletrônicas realizadas por adolescentes em todo o país fossem devassadas, na medida em que se constatasse que esses adolescentes estariam trocando música pela Internet (atividade que pode configurar o ilícito penal previsto no código 184 do código penal, que criminaliza a violação de direito autoral). Essa e outras práticas são objeto de intensos debates legislativos em todo mundo, muitos deles buscando a reforma da lei. Enquanto essa reforma não acontece, não é possível ignorar o fato de que efetivamente centenas de milhares de pessoas poderão ter suas comunicações eletrônicas devassadas em razão do projeto de lei do senador Azeredo.

Dessa forma, o projeto em questão afeta a vida da maioria dos brasileiros, sejam aqueles que possuem telefones celulares, sejam aqueles que acessam a Internet por computadores, ou aqueles que serão futuros espectadores da televisão digital. Por essa razão, é inconcebível que um projeto como esse não seja debatido de forma mais ampla com a sociedade civil e com os representantes dos interesses diretamente afetados. O rol destes é grande e inclui: provedores de acesso, empresas de tecnologia de modo geral, consumidores, universidades, organizações não-governamentais, empresas de telecomunicação, apenas para elencar alguns.

E uma vez mais, todo o esforço de debate público em torno de um tal projeto de lei, que tem por objetivo regulamentar a Internet do ponto de vista criminal, deveria se voltar à regulamentação civil da rede, definindo claramente o seu marco regulatório e privilegiando a inovação, tal qual foi nos países desenvolvidos. Privilegiar a regulamentação criminal da Internet antes de sua regulamentação civil tem como conseqüência o aumento de custos públicos e privados, o desincentivo à inovação e sobretudo, a ineficácia. Nesse sentido, é preciso primeiro que se aprenda com a regulamentação civil, para a partir de então propor medidas criminais que possam alcançar sua efetividade, sem onerar a sociedade como um todo, como faz o atual projeto de lei do senador Eduardo Azeredo.

PS: O logotipo acima foi criado por Valessio Brito (http://valessiobrito.info/) para a Campanha do Portal do PSL-Brasil contra o Projeto do Senador Azeredo.
http://a2kbrasil.org.br/O-Projeto-de-Lei-do-Senador

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Artigo: O atraso no espelho

20/06/2009 at 00:51 (Artigos) (, , , , , , , )

Artigo: O atraso no espelho

Eugênio Bucci* –

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Fratura exposta. A evolução das tensões na Cidade Universitária, centro da mais prestigiosa, mais influente e mais produtiva instituição de ensino superior no Brasil, deixa transparecer as mazelas, as fraquezas e as debilidades da instituição. É uma pena. Conforme o ângulo, às vezes é um vexame.

Vexame número 1: uma tropa de policiais sai disparando balas de borracha e distribuindo bombas de gás lacrimogêneo e de efeito (i)moral contra estudantes, professores e funcionários. A Polícia Militar (PM) trata a Universidade de São Paulo (USP) como se ela fosse um presídio rebelado.

Vexame número 2: o movimento grevista dos funcionários imagina que consegue sustentar-se na base de piquetes que, em lugar de convencer pela argumentação, intimidam por meio de barreiras físicas. Enquadra-se, voluntária e festivamente, no estereótipo das “minorias radicais”, dessas que só veem o próprio umbigo.
Vexame número 3: a cúpula da universidade, encastelada em órgãos de poder ultrapassados, que não representam o conjunto da comunidade, adota o discurso “da lei e da ordem”, num tom que faz lembrar velhas histerias autoritárias. Em nome dessa “lei” e dessa “ordem”, convoca agentes de metralhadora a tiracolo para reprimir manifestações de gente descontente e desarmada. Mais ainda, convoca-os para se manterem no câmpus pelos dias subsequentes, como se a universidade precisasse de cassetetes ostensivos para levar sua vida normal.

Vexame número 4: de outra parte, quase todos os que repudiam a presença da força bruta (e armada) na universidade fecham os olhos para a notória ausência de representatividade do movimento grevista, que, apesar de toda a barulheira, só conseguiu paralisar áreas isoladas. A imensa maioria da comunidade segue com seus afazeres regulares, indiferente a tudo isso. Se a falta de legitimidade do sindicalismo universitário é um problema, o silêncio obsequioso em torno dela é, sim, um vexame.

Vexame número 5: é verdade que há bons alunos engajados no movimento, mas há, também, excelentes alunos e professores que desprezam acintosamente as reivindicações de seus colegas, que ignoram as assembleias e não tomam conhecimento do debate. Nesse caso, o vexame resulta da omissão. Enquanto a USP se convulsiona, muitos dos seus melhores mestres preferem nem ligar, como se as paralisações e ocupações mantidas por algumas dezenas de sindicalistas fossem tempestades sazonais, que nos aborrecem durante uma época do ano e depois passam. Sem se dar conta, esses professores exprimem a mais rebuscada forma de alienação que a vida acadêmica pode produzir.

Dentro do cenário que, no todo, é um festival de despreparo, cada um alardeia sua razão individual.
A polícia dirá que foi provocada e por isso agiu com dureza – o que talvez proceda, mas não deveria ser justificativa, jamais: representantes do Estado não podem reagir emocional e desproporcionalmente a provocações da juventude.

A Reitoria, empenhada em fazer amigos e influenciar pessoas, dirá que chamou os homens da lei porque tem o dever de proteger o patrimônio da universidade – dever que ela tem, de fato, mas pergunte-se: não existiria um caminho menos traumático?

Os grevistas argumentarão que ganham pouco – o que também é verdade: os professores da USP, por exemplo, têm salários menores do que seus colegas das universidades federais. Agora, será que não existe um método mais efetivo para se formular e negociar a pauta de reivindicações?

As razões de cada um, corporativistas e surdas, produzem, no seu conflito, a irracionalidade geral. A USP vive uma crise (uma fratura) bem maior que o mero enfrentamento entre sindicalistas intolerantes e uma Reitoria que, por sua constituição orgânica, pela forma como é escolhida, encontra-se desaparelhada para promover o diálogo na comunidade. O mal-estar não deve ser imputado a essa ou àquela pessoa. Trata-se de um mal-estar do próprio modelo: sindical, de um lado, e institucional, de outro.

Na USP de hoje, quem se bate são as mentalidades de ontem. O atraso olha-se no espelho. Num polo está esse sindicalismo cujas fantasias datam dos anos 1960. Para ele, o gozo supremo parece ser o esporte de jogar pedras nos capacetes da tropa de choque, esporte que agora já não oferece riscos. No outro polo entram os órgãos colegiados que abriram mão de se atualizar e supõem que os professores titulares detêm, sozinhos, tudo o que é preciso saber para decidir os rumos da instituição. Um polo se alimenta do outro e nenhum dos dois tem a chave da porta que precisa ser aberta. Com ambos é preciso romper.

Rever o modelo de gestão da USP é um imperativo urgente. É preciso reformar os órgãos de decisão e o regime administrativo. Claro que isso só pode ocorrer com o envolvimento de mais professores e mais funcionários, principalmente daqueles que fazem de conta que o mal-estar não é com eles. O mesmo esforço, se ocorrer de fato, tenderá a renovar as entidades sindicais, obrigando-as a se preparar para o debate sobre o futuro da USP. Sem isso a mais prestigiosa, mais influente e mais produtiva instituição de ensino superior no Brasil poderá perder sua liderança. Ficará para trás.

Sou professor da USP. Senti uma sufocante humilhação quando vi, em vídeo, as cenas de violência entre policiais e manifestantes na Cidade Universitária. Foi como se eu mesmo estivesse ali, apanhando. Não aceito a violência, mas não é por isso que vou bater palmas para um movimento sindical cheio de vícios e dizer que a culpa de tudo é da Reitoria. A responsabilidade é de todos nós que não temos sido capazes de, coletivamente, articular um projeto de universidade. A pancadaria no câmpus apenas rasgou o tecido das aparências – e expôs a fratura que já estava lá.

* Eugênio Bucci é jornalista e professor da Escola de Comunicações e Artes da USP.

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Atos ”top secret” nem saíam da gaveta do diretor

19/06/2009 at 08:48 (Notícias) (, , , , )

Apuração sobre medidas sigilosas no Senado mostra que algumas decisões não foram sequer digitadas

Leandro Colon, BRASÍLIA

A investigação interna em cima das centenas de atos secretos do Senado descobriu um submundo de duas categorias de decisões mantidas sob sigilo na Casa nos últimos anos, como se existissem atos “top secret” e outros classificados oficiosamente como secretos. A primeira categoria, comandada pelo ex-diretor-geral Agaciel Maia; os demais, sob as ordens de João Carlos Zoghbi, ex-comandante do poderoso setor de Recursos Humanos.

Descobre-se agora que muitos atos nem sequer saíam da sala de Agaciel. Só existiam em papel, não eram inseridos em nenhum computador, para evitar vazamentos. Os arquivos de Agaciel também privilegiavam os favores aos senadores.

Muitos desses boletins ainda não foram publicados, contrariando a iniciativa propalada pelo presidente José Sarney (PMDB-AP) de transparência no Senado. A burocracia interna de publicação deveria seguir, teoricamente, a seguinte lógica: sai da Direção-Geral, passa pelos Recursos Humanos, que entrega à Informática para divulgação.

Um dos atos “top secret” é o que estende a assistência médica vitalícia dos senadores a quem ocupou a Diretoria-Geral ou a Secretaria-Geral da Mesa. Agaciel, beneficiário direto do ato, guardou o documento na gaveta, depois de obter a chancela dos senadores que então ocupavam a Mesa Diretora.

O Estado teve acesso à íntegra do ato, considerado um mistério dentro do Senado e investigado pela comissão de sindicância. “Eu não o conhecia. Para mim, é um espanto”, afirma o diretor-geral, José Alexandre Gazineo.

Sob pressão e na iminência de perder o cargo, Gazineo não deve receber o benefício do ato: o texto diz que o servidor tem de ocupar a Diretoria-Geral por, pelo menos, dois anos. Ele está há pouco mais de três meses na vaga e, ao que tudo indica, não deve permanecer por muito tempo na cadeira.

Quando Agaciel resolvia seguir o trâmite legal e repassar os atos ao departamento de Recursos Humanos, o então diretor, João Carlos Zoghbi, se encarregava de digitalizá-las para, teoricamente, publicá-las. Começava aí outro processo de sigilo e a segunda categoria de proteção. Zoghbi escolhia o que era para publicar e o que deveria permanecer num banco de dados informal.

NOMEAÇÕES

Atos dessa natureza serviram para as nomeações dos próprios filhos de Zogbhi e os aumentos salariais de sua mulher, Denise. Os arquivos que tratam desses atos foram publicados como boletins suplementares somente agora, em 2009, a mando do diretor de Recursos Humanos, Ralph Siqueira, integrante da sindicância que investiga esses boletins.

Siqueira determinou, em meio à investigação, a digitalização de parte do que estava guardado na Diretoria-Geral para a publicação interna. A decisão de Ralph foi considerada um erro dentro do Senado. Uma iniciativa que, a princípio, tinha o objetivo de misturar atos secretos com públicos.

A estratégia poderia fazer com que esses documentos passassem despercebidos dentro do sistema. Mas a diferença entre os documentos – os secretos são mais sucintos – chamou a atenção de quem acessa o sistema interno todos os dias. A iniciativa de Ralph abriu a caixa-preta desses boletins, criando uma crise política que levou o presidente do Senado à tribuna na última terça-feira.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090619/not_imp389693,0.php

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Folha de SP manipula cada vez mais (e mais descaradamente)

17/06/2009 at 08:44 (Artigos, Reflexões) (, , )

BLOG DO FLÁVIO GOMES, EX-EDITOR DE ESPORTES DA FOLHA

SÃO PAULO (triste fim) – Trabalhei na “Folha de S.Paulo” de 1986 a 1994. Peguei os primeiros anos do “Projeto Folha”, um ambicioso plano de reforma do jornal e do fazer jornalismo, levado a cabo por um então jovem e impetuoso diretor de Redação, Otavio Frias Filho. Nossa turma era muito boa. Matinas Suzuki Jr., Leão Serva, Caio Túlio Costa, Marcelo Beraba, Carlos Eduardo Lins da Silva, Alon Feuerwerker, Mário Vitor Santos, Nilson Camargo, Edgard Alves, esquecerei muitos dos meus vários mestres do ofício, que me perdoem.

Cheguei muito novo, tinha 22 anos, e muito cedo assumi funções de chefia, num período histórico do país em que jornais tinham muita importância, bem mais do que hoje. Deixei amigos, dezenas deles, e se tem uma coisa de que me orgulho na profissão é de ter feito parte desse momento muito especial do jornalismo brasileiro.

Nesses anos todos, desde que saí do velho prédio da Barão de Limeira pela última vez, em maio de 1994, nunca deixei de ler a “Folha”. A relação de um leitor com seu jornal é muito especial, você gosta dele, se irrita às vezes, admira-o, odeia-o. Mas continua lendo. É hábito, o companheiro do café da manhã, o papel que te informa, por mais que a internet avance, sempre tenho a sensação de que jamais deixarei o jornal de lado, não me vejo passando requeijão na bolacha água-e-sal com um laptop na minha frente.

Hoje, porém, quando abri a porta de casa pontualmente às seis e meia da madrugada, tive pela primeira vez vontade de cancelar minha assinatura, mas teria de ser algo menos impessoal do que um telefonema para uma atendente que iria me dizer vamos estar verificando.

Tive vontade de ligar para meus tantos amigos que ainda labutam no palácio das pastilhas e perguntar, puta que pariu, o que vocês estão fazendo com meu jornal?

“Brasil está em recessão” foi a manchete da “Folha” hoje. Quatro palavras, em corpo grande, coisa rara, uma manchete tão curta e definitiva. A impressão que tive, sabendo como se faz um jornal, como se fecha uma Primeira Página, foi de que por muito pouco não colocaram um ponto de exclamação ao fim da sentença, algo que só não foi feito porque as regras do Manual de Redação são claras quanto a títulos, elas não permitem pontuação final, no máximo vírgulas e ponto-e-vírgulas na “Folha”, nem mesmo dois pontos.

Poderiam, também, colocar um “Ufa!” antes de “Brasil está em recessão”, mas o Manual, igualmente, não aceita. Porque a “Folha”, de alguns bons anos para cá, esqueceu todos seus princípios de jornalismo imparcial, apartidário, isento etc. Tudo que eu sempre aprendi ali, naquele prédio, e que serviu de base para minha conduta profissional.

Os exemplos são muitos, tantos que enumerá-los ficaria cansativo. A manchete de hoje é de um ridículo atroz, fala em “regra de identificação mais universalmente adotada” para concluir que o país entrou em recessão, “com dois trimestres consecutivos de queda do Produto Interno Bruto”.

Lá no meio do texto é que aparece a verdadeira notícia: ”Vistos mais de perto, os números mostram que a recessão, na sua definição mais vulgar, não chegou para todos, nem sequer para a maioria. Basta dizer que o setor de serviços, em que estão 60% do PIB, não caiu por dois trimestres consecutivos: teve expansão de 0,8% no primeiro trimestre, após a queda de 0,4% no final de 2008. Nesse grupo estão atividades do cotidiano que vão desde a escola dos filhos até os aluguéis, da oferta de saúde ao seguro do carro. É um setor que só costuma ver retrações quando há disparada do desemprego ou queda forte dos salários, até agora inexistentes. Pelo contrário: a massa salarial -que leva em conta o volume de emprego e os rendimentos- do primeiro trimestre ainda foi 5,2% maior que a de um ano antes. E o consumo das famílias, depois de encolher 1,8% na derrocada geral do final de 2008, subiu 0,7% na comparação com o trimestre anterior.”

Ou seja, a economia brasileira vai bem, resistiu à maior crise mundial desde 1929, a recessão da manchete é apenas uma ilação que se baseia numa “regra de identificação mais universalmente adotada”, embora ninguém saiba direito onde está escrita essa regra. A recessão da manchete é, na verdade, uma comemoração do jornal.

No começo deste mês, um texto assinado por Fernando Barros e Silva, editor de Brasil, que vem a ser filho daquele diretor do São Paulo Futebol Clube, atacou o governo federal por “pulverizar” a publicidade oficial comprando “mídia de segundo e terceiro escalões”, como se as verbas públicas devessem ser aplicadas exclusivamente na mídia de “primeiro escalão”, à qual a “Folha” deve achar que pertence. Uma das coisas mais ridículas que li na vida, não consigo entender como alguém é capaz de escrever tamanha sandice e ainda assinar o nome, e que mereceu uma ótima análise do jornalista Rodrigo Vianna, da TV Record, em seu blog (vale a pena a leitura, está aqui). Antes, poucas semanas atrás, houve o episódio do editorial chamando o regime militar brasileiro de “ditabranda”. Há algum tempo, também, o jornal abre espaço para um certo Luiz Felipe Pondé, articulista que destila suas idiotices semanalmente, acho, na contracapa da “Ilustrada”, que já teve Paulo Francis e Carlos Heitor Cony. Um reaça primário, filhotinho da TFP, uma coisa horrorosa.

São sinais que já deveriam ter-me feito cancelar a assinatura, mas como é o “meu” jornal, dei-lhe o befefício da dúvida, essas coisas devem estar passando sem ser lidas por alguém com o mínimo de discernimento, às vezes acontece. Mas não, não é isso que está acontecendo. A “Folha” se transformou num palanque medíocre, está rasgando sua história, acabando com sua credibilidade, jogando no lixo seu maior patrimônio.

E enquanto anuncia alegremente que o Brasil está em recessão em sua edição de hoje, fecha os olhos para as implicações políticas da greve na USP, isentando-se de apontar responsáveis e de criticar o governo estadual e sua polícia que joga bombas e baixa o cacete em estudantes, professores e funcionários como se fazia nos tempos do coronel Erasmo Dias, que lascou o sarrafo na comunidade acadêmica na reunião da SBPC na PUC em 1977, porque o governador é seu candidato à sucessão, sucessão que vem sendo tratada com inacreditável sutileza paquidérmica ao decretar, dia sim, dia não, que o terceiro mandato está descartado, que ninguém quer, que é um absurdo, que isso, que aquilo.

Dá pena ver o que fizeram da minha “Folha”. Mesmo assim, não vou estar cancelando minha assinatura. As alternativas para meu café da manhã não são grande coisa, infelizmente.

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